Nascido no Período Entreguerras, Hans Magnus Enzensberger cresceu na Alemanha nazista e refletiu, em poemas e ensaios, sobre a experiência histórica de viver no mundo conturbado que se desdobrou desde então. Destinatário desconhecido: uma antologia poética (1957-2023) reúne noventa de seus mais importantes poemas, selecionados e traduzidos do alemão pelo poeta e professor Daniel Arelli, que também traduziu a poesia de Hannah Arendt.
Os textos estão organizados em seções que sugerem aproximações entre os diferentes momentos da obra do poeta, que escreveu e publicou por mais de sete décadas, formando um dos retratos mais intensos do mundo depois da Segunda Guerra Mundial. Durante todo esse período, Enzensberger lançou seu "olhar faiscante" (na precisa expressão do tradutor) sobre o tempo presente, demonstrando que "a poesia é onívora — tudo o que se experimenta ou percebe pode se tornar tema da poesia". Como afirma Arelli, "parece não haver material, temática ou procedimento que não possa ser processado e assimilado pela moenda de Enzensberger".
Seus versos revelam uma capacidade rara de enfrentamento poético e político; é como se ele, a cada poema, encontrasse uma forma de se posicionar tanto em relação à modernidade poética (tensionando, rejeitando, incorporando criticamente) quanto em meio às tendências políticas ao seu redor. Enzensberger capta diversas correntes do tempo se cruzando: "Abra os olhos e o que aparece desapareceu/ Feche os olhos e o que desapareceu aparece". Daí que a leitura desta antologia seja tanto um passeio pelo século passado quanto a mais contemporânea das experiências.
Num ensaio repleto de ironias sobre a condição da poesia ("Notícias do fazer poético", de 1989), Enzensberger cravou: "É quase um milagre que ela continue entre nós".